domingo, 27 de fevereiro de 2011

Princípio do fim

            Porque quando as coisas comecaram a ter um fim, tudo pareceu estar em seu inicio, e aquilo que não era nada virou paixão, e o que era alegria tornou-se dor. Num misto de amor e ódio, ela se entregou às palavras, deixou o palco e entrou na vida; deu a cara à tapa, entregou os anéis, mas, como num clichê, ficou com os dedos.
            Poderia ter disfarçado, mas não pôde, o peito aberto de pele transparente, só podia lembrar “coração rasgado, tudo bem”, olha pro vazio, morde o lábio pra não fazer biquinho e engole seco pra não soltar o choro. Tentativa vã, porque basta alguém perceber e trocar olhares penosos, que ela pisca e se estende mais no cerrar de olhos e a lágrima escorre pelo rosto, uma, duas, três.
            Quer se desculpar por ser assim, por ser sensivel, por ter coração, mas poucos conseguem entender o que com palavras ela não consegue explicar, mas que os olhos não podem esconder. Corazón helado, muchas veces la gustaria tener. Gritar, dormir durante semanas ou acordar em outra cidade, contar pra todo mundo o que sente, chorar alto pelos cantos; não. Sofre sozinha no seu canto, com a porta do quarto fechada, a cabeça enfiada no travesseiro, chorando baixinho pra não incomodar ninguém com seu lamento.
            24 horas pra sofrer, duas semanas para maturar a idéia, sabe-se lá quanto tempo pra esquecer. Nessas horas, joga as mãos para cima e agradece por ser de gêmeos, por ser acelerada, por sofrer demais - mas por pouco tempo. Quando fecha os olhos repassa cada momento, sofre pelo que aconteceu, teme pelo que vai acontecer – sonha por dias melhores. E aí vem o frio na barriga, o tremor nas pernas, a vontade de vomitar – e expulsar com isso a angústia e a dor.
            No relógio, 13 horas, me quedo esperando algo que não sei ao certo o que. Que o dia de amanhã seja melhor que o dia de hoje, que um dia eu possa amar sem sentir dor, que possa chorar sem sentir culpa, que possa traduzir em palavras o que a cabeça pensa, que o vômito liberte as borboletas do estômago, que elas voem para longe e tragam purpurina na volta, que essa sujeira vá embora e cheguem novamente meus dias de paz, que.
           
           
Jun/2010

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Anticorpos

            - Quem é doido?
            - O meu, o seu também. Na verdade somos todos. Como eu já disse, o objetivo da vida é criar anticorpos para sobreviver aos problemas.

            Concordo que eu também seja uma doida varrida, podem tacar pedras e flores, "essa é a história da borboleta que se apaixonou por um soco". Sou borboleta e preciso de algo que me contradiga, louca? Apenas quero instigar o meu poder de lidar com as divergências, quero entrar em contato com as efermidades para criar meus anticorpos e tê-los pertinho de mim, dispostos a me defender de qualquer desventura.
            Anticorpos para acatar o "não saber" da vida, e não sofrer com a certeza da morte, para aceitar que não se é dono de ninguém (e não morrer de dores por isso), para lidar com as decepções e não deixar desacreditar de um dia melhor. Anticorpos para aturar um dia de chuva sem sentir um ferrinho pontiagudo pressionando o coração, para saber que a saudade às vezes não é vilã, a dor sim é que pode ser diminuída, porque mesmo que não seja facilmente visto, há sempre algo para fazer sorrir. Anticorpos, enfim, para viver como borboleta sabendo levar socos, porém sem permitir que eles impeçam as asas de bater e voar alto.

(2007-2011)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

No dia em que ele partiu

Descrente ela comecava mais um ano, sem saber o que iria fazer, o que podia acontecer e sem nem poder levantar a famosa questão “aonde isso tudo iria dar”, porque o tudo andava tão vazio que havia se tornado nada. Assim pensava que iria viver, embora ousasse pensar que viver era uma palavra muito enérgica para ela, que, naquele momento, apenas existia. E foram passando dia após dia, completando semanas, meses e aquela procura vã de quem rastreia qualquer coisa que possa servir de apoio não a levava a lugar nenhum, porque não acreditava em deus, nem em jesus e muito menos tinha devoção por nenhum santo. Sua primeira crença era o amor, que, embora com uma severa resistência, acabou perdendo seu encanto devido a tantas freiadas, choques e perdas irreparáveis, sua segunda crença era o tesão, que por mais que ainda existisse não se fazia pleno, claramente pela falta de fé na primeira crença.
Às vezes ia sozinha à restaurantes ou bares, apenas para observar as pessoas e constatar aquilo que já poderia constatar quando ficava trancafiada dentro de casa:depois que ele foi embora, havia se tornado uma pessoa extremamente solitária. Conversava consigo mesma e tinha certeza de estar entediada ao ver que todos estavam se divertindo em algum lugar, menos ela. Porque não se permitia, por que não se permitia? E via passando, a cada virada de ano uma ruga que aparecia, uma nova mancha no corpo, a pele que já não era a mesma, o corpo que se tornava pesado, lento, vivendo a espera de uma ligação que não vinha, uma carta de algum lugar do mundo, e imaginava como iria achar bonito se alguém que vive num país muito distante lembrasse dela e a enviasse um telegrama para dar um oi, mas  nunca ninguém enviou.Comprava flores para enfeitar sua casa, escolhia os melhores vinhos, cozinhava com excelência mas nunca permitiu que ninguém mais compartilhasse com ela, não depois que ele havia partido.
 Como era dificil para ela aceitar que uma história que começou sendo escrita a quatro mãos continuasse seu curso unicamente pelas suas mãos feias e enrugadas. Não quis. Quando um dia deitada em sua cama, não tão velha mas gasta de tanto se lamentar, de chorar, sofrer, de tentar, e de não tentar enfim, cansada daquela morte que a corroía noites a fio, largou a caneta e parou de escrever a sua quase vida ou o que aquilo se tornara depois que ele havia partido.