domingo, 20 de fevereiro de 2011

No dia em que ele partiu

Descrente ela comecava mais um ano, sem saber o que iria fazer, o que podia acontecer e sem nem poder levantar a famosa questão “aonde isso tudo iria dar”, porque o tudo andava tão vazio que havia se tornado nada. Assim pensava que iria viver, embora ousasse pensar que viver era uma palavra muito enérgica para ela, que, naquele momento, apenas existia. E foram passando dia após dia, completando semanas, meses e aquela procura vã de quem rastreia qualquer coisa que possa servir de apoio não a levava a lugar nenhum, porque não acreditava em deus, nem em jesus e muito menos tinha devoção por nenhum santo. Sua primeira crença era o amor, que, embora com uma severa resistência, acabou perdendo seu encanto devido a tantas freiadas, choques e perdas irreparáveis, sua segunda crença era o tesão, que por mais que ainda existisse não se fazia pleno, claramente pela falta de fé na primeira crença.
Às vezes ia sozinha à restaurantes ou bares, apenas para observar as pessoas e constatar aquilo que já poderia constatar quando ficava trancafiada dentro de casa:depois que ele foi embora, havia se tornado uma pessoa extremamente solitária. Conversava consigo mesma e tinha certeza de estar entediada ao ver que todos estavam se divertindo em algum lugar, menos ela. Porque não se permitia, por que não se permitia? E via passando, a cada virada de ano uma ruga que aparecia, uma nova mancha no corpo, a pele que já não era a mesma, o corpo que se tornava pesado, lento, vivendo a espera de uma ligação que não vinha, uma carta de algum lugar do mundo, e imaginava como iria achar bonito se alguém que vive num país muito distante lembrasse dela e a enviasse um telegrama para dar um oi, mas  nunca ninguém enviou.Comprava flores para enfeitar sua casa, escolhia os melhores vinhos, cozinhava com excelência mas nunca permitiu que ninguém mais compartilhasse com ela, não depois que ele havia partido.
 Como era dificil para ela aceitar que uma história que começou sendo escrita a quatro mãos continuasse seu curso unicamente pelas suas mãos feias e enrugadas. Não quis. Quando um dia deitada em sua cama, não tão velha mas gasta de tanto se lamentar, de chorar, sofrer, de tentar, e de não tentar enfim, cansada daquela morte que a corroía noites a fio, largou a caneta e parou de escrever a sua quase vida ou o que aquilo se tornara depois que ele havia partido.

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