terça-feira, 5 de abril de 2011

Conversa descompassada

Engraçado ler coisas tao antigas... escrito em setembro de 2006:
(bom ver tambem que algumas dessas angústias nao existem mais...)



-         Me dá aqui esse celular.
-         Não, você não vai ligar agora.
-         Eu só preciso de uma cerveja.
-         Onde você meteu aqueles retalhos?
-         Eu não posso ficar longe de você, não sei o que acontece, um pedaço de mim vai embora quando você foge assim de mim.
-         Se quiser ligar liga, é você quem sabe.
-         Não sei onde eu botei, acho que ficaram ali em cima da bancada. Queria reconstruir uma coisa impossível, já tava rasgado mesmo, ia ficar tudo remendado, deixa pra lá.
-         Skol ou Boemia?
-         Aqui não, vamos pegar um ar fresco... Pensando bem, quero uma água de coco.
-         Deixa recado na caixa postal então.
-         É assim sabe, meu dia parece que vai embora quando não te vejo, passa em branco, e quando eu acordo e sei que você não está do meu lado eu perco a vontade de levantar da cama...
-         E foi assim que você disse pra ela?
-         Os retalhos? Eles eram coloridos, eu me lembro bem... as cores eram fortes, compreende? Dava gosto de ver, vibrante. Pena que desbotou, ficou muito sem graça... Porque que as coisas tem que perder o gosto hein?
-         Ah, polpa de coco engorda tanto... Acho que prefiro tomar uma Boemia.
-         Traz um aipim frito também...
-         Você e essa mania... Até parece que hoje em dia alguém ouve esses recados... É pura ganância das empresas de telefonia, nem adianta.
-         Eu ligo, deixo recado, e você se esconde. Porque essa esquiva? Mergulha de trampolim em mim. Eu sou todo cinza por dentro, cinza não enjoa.
-         Quem sabe se não ficaram no porta-luvas? Precisava mesmo deles.
-         Seus óculos?
-         Não, os retalhos.
-         Tem seis estampas na minha colcha de retalhos. Seis pedaços costurados fio a fio. Peguei em outros todos os pedacinhos que me lembravam você e fiz uma colcha, mas desbotou.
-         E se a gente bebesse um vinho?

Pegou o celular e arrancou fora a bateria. Foi na geladeira e pegou seis cervejas, e três copos. Disse que assim o fizera para caso perdesse o seu copo em algum lugar da casa. Achei graça.

-         Estava claro que ia perder as tonalidades. Mas sabe que às vezes eu queria comer aquela colcha? Achei que assim eu ia poder te ter dentro de mim...
-         Vira o copo, odeio essa espuma.
-         É tão descompassado. Porque você faz essa cara de dor repentina hein? Vamos dar uma volta então.
-         Acho que vai chover.
-         Achei os retalhos... Posso queima-los?
-         Pode.
-         Dispara, dissipa, descompassa e descansa. Vou comprar novos tecidos, de repente agora faço uma cortina. Uma representação bem aquém de você. Fechar as janelas. Desce o pano.




03-09-06

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