terça-feira, 22 de março de 2011

O aviador

            A pele que de lisa passou a enrugar, os passos ficaram cada vez mais lentos e curtos, os fios de cabelo foram ficando pelo caminho, pelos quatro continentes do mundo e pela casa dos filhos e dos netos, muitas rugas que apareceram de tanto rir, gargalhar e, na maioria das vezes, de chorar por tanto rir. E o que trazia mais alegria era saber que da mesma forma que isso acontecia com ela, acontecia também com ele, talvez não na mesma proporção: enquanto um não lembrava o nome da igreja visitada, o outro preferia chamar um táxi ao invés de andar até o metrô e com muito gosto ambos se amparavam; uma era a perna, outro era a memória.
            Desde crianças, brincando na rua, embaixo de chuva na tijuca, fazendo um lanche à tarde, indo à padaria, voltando da escola, brincando mais e mais, passando por adolescencia, até que um dia o moço que viajava o mundo inteiro descobriu que não precisava ir tão longe para achar a mulher de sua vida, e apenas precisou caminhar alguns passos para encontra-la.
            Construíram, um lar, vários lares, filhos, netos, bisnetos e muitos agregados que gostariam de ter um pouquinho do privilégio de estar em contato com o casal que era de emocionar até o mais duro dos corações. E a promessa foi feita: te amar por toda a minha vida. Os anos se passaram, enquanto ela sentia medo do futuro, ele sentia prazer em vivê-lo, ela com medo da morte, ele parecendo nem saber que isso existe. Aconteceu.
            O café-da-manhã que agora é sozinho, um lado da cama vazio, metade do armário desocupado, a ausência do cheirinho de feijão vindo da cozinha, do cachimbo e do charuto, da colônia pós barba e do talco, o chinelo raider que não fica mais embaixo da mesa, a casa que às vezes parecia tão cheia e que agora não passa de um grande deserto. Ter que continuar tudo, agora sem o seu HD externo, e teve força, mostrou ser mais forte do que todos esperavam, segurou as lágrimas para honrar aquele que dizia que não queria choro nem vela. Sozinha em seu quarto, ela chora uma saudade que ninguém pode suprir, conversa com a foto, tenta se distrair com os netos, filhos, amigos...Arruma mil formas de sair, costura, vê filmes, fala francês, toca piano, mas quando a cabeça fica vazia, a saudade aperta, o controle vai embora, tremores, medo, nervoso, ansiedade.
            Ansiosa ela vive. Esperando que, um dia após o outro, ela possa reencontra-lo para cantarolar com os olhos cheios d´água, “a espera de viver ao lado teu, por toda a minha vida”.

5 comentários:

  1. Excelente texto Laurinha, ainda vamos escrever um livro. Poetas da nova geração

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  2. Vc. e RESPONSAVEL por quem cativa , Saint Esupery,AVIADOR E ESCRITOR , seu mais conhecido livro O Pequeno Principe e seu melhor amigo > meu tio avo levava um junker de Natal ate Dakar e entregava a ele para chegar com malotes na França , ate que um dia ele o Saint fez um pouso forçado no deserto e numca ninquem o achou .

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  3. O que falei em comentario anterior , e que voce esta ao nivel do escritor a quem me deu sonhos e que realizo ate hoje , Saint Exuperry. Tem tambem o livro O Diario de Dany que li com 11 anos e que me estruturou filosofocamente , vc escreve maravilhosamente bem , e meu filho tambem na area que trabalha ja editou livro , Dr.prof . Fabio Veloso, pode add p/ meu Orkut,Tks .

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  4. Nossa! muito obrigada pelo elogio!
    fico realmente lisonjeada!

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  5. Você escreve com tinta de coração em papel de alma, Laurinha.
    beijos
    Papai

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